Estamos diante de um cenário novo para a sociedade brasileira. Nunca antes tivemos a necessidade de resolver uma situação com tamanha complexidade e gravidade, no ambiente de proteção ao consumidor, com tamanha agilidade, e que tem causado inúmeros problemas sociais.
O tratamento do superendividamento é complexo, exigindo equipe multidisciplinar (psicólogos, economistas, assistentes sociais), estrutura diferenciada, servidores capacitados, mediadores e conciliadores, etc. Realizar o atendimento individual presencial (como atualmente é feito), demanda tempo do servidor, estrutura física, espaço para audiências globais contendo vários credores, servidores responsáveis pelo envio das notificações, mediadores e conciliadores , etc.
Fora que, diante da realidade brasileira, é praticamente impossível disponibilizar toda esta estrutura de pessoal e física, em todos os municípios brasileiros, para possibilitar que todos os cidadãos, que se encontrem na situação de superendividamento, sejam tratados.
O que tem acontecido é que, diante da falta da estrutura dos órgãos administrativos, principalmente fora das capitais, o consumidor tem buscado a solução do tratamento junto às vias judicias (tratamento judicial pré e processual), gerando uma sobrecarga de trabalho no judiciário.
Embora o consumidor tenha a opção do tratamento no judiciário (art. 104-A), o ideal é que tenhamos uma estrutura administrativa para abarcar o tratamento (através dos órgãos do art. 104-C), deixando para o judiciário somente o tratamento compulsório, nas hipóteses em que não houver acordo na fase conciliatória.
Para isso, a implementação de uma plataforma para a realização do tratamento do consumidor superendividado é uma alternativa que propus, quando da minha participação no grupo de trabalho instituído pelo CNJ e coordenado pelo ministro do STJ Marco Buzzi (clique aqui para ler o artigo e entender as vantagens que a utilização da plataforma propiciará).
As vantagens da utilização da plataforma são inúmeras. Entre elas, destacamos:
1) A possibilidade de a plataforma abranger todo um município ou estado (e até mesmo o país inteiro), sem necessidade de ter, necessariamente, um Procon, Defensoria Pública ou Ministério Público na localidade;
2) A facilidade de o consumidor enviar todos os dados das dívidas (contratos), bem como inserir os dados dos custos de vida através de um site ou aplicativo, não precisando se deslocar presencialmente para solicitar o tratamento;
3) Possibilidade, caso o consumidor requeira ou a própria plataforma sugira, de atuação de um psicólogo ou assistente social, que poderá atender o consumidor de maneira online (pela própria plataforma);
4) Possibilidade de o consumidor, de modo fácil, através do celular, enviar uma denúncia de abuso na concessão do crédito (podendo enviar fotos, documentos, etc), e a plataforma notificar o fornecedor imediatamente da reclamação/denúncia (caso este fornecedor já esteja cadastrado). A participação do consumidor como “fiscal da concessão do crédito”, denunciando os abusos praticados no mercado, é importante para concretizarmos a fase preventiva da lei;
5) Possibilidade de o envio das intimações e/ou notificações dos credores pela própria plataforma, com comprovação de recebimento, não necessitando do envio de cartas por AR, gerando economia de tempo e custo;
6) Possibilidade de elaboração de um plano de pagamento automatizado, a partir dos dados inseridos pelo consumidor superendividado (dívidas e renda), com parâmetros do mínimo existencial, não necessitando de um profissional de economia para a realização de cada plano;
7) Possibilidade de a plataforma mostrar, com base no big data disponível, gráfico que indique propostas, considerando o credor e o tipo de dívida, com maiores chances de êxito;
8) A possibilidade, embora a lei não preveja, de o credor poder enviar uma proposta de pagamento (os termos em que aceitaria uma repactuação), mesmo antes da apresentação do plano de pagamento, gerando praticidade e transparência;
9) Possibilidade de realização de audiências assíncronas (as partes não precisam estar em contato ao mesmo tempo — simultaneamente), com o envio do plano de pagamento para todos os credores, possibilitando em um determinado prazo que cada um se manifeste pela anuência ou não e, em caso negativo, que esclareça as razões pelo não aceite do plano apresentado. Dentro deste prazo, cada credor terá tempo suficiente para avaliar os dados e a proposta enviada pelo consumidor, podendo aferir, por exemplo, a veracidade das informações.
10) A realização da audiência assíncrona é eficiente porque:
11) Possibilidade de registro do resumo histórico da negociação, principalmente em caso de não acordo, para subsidiar o magistrado na definição do plano de pagamento compulsório (artigo 104-B), avaliando principalmente se o credor se portou com boa-fé ao tentar conciliar;
12) Possibilidade de acompanhamento do pagamento das prestações do plano acordado e/ou do plano compulsório instituído pelo magistrado.
13) A desjudicialização do tratamento do superendividamento. Sendo efetiva e com acesso facilitado o consumidor irá optar pelo tratamento extrajudicial, deixando o judiciário somente para as hipóteses de não acordo (plano judicial compulsório), gerando economia de custos para a sociedade, uma vez que o processo judicial é extremamente caro.
Para dar efetividade a este projeto, fui convidado pelo Prof. Moisés Diniz Vassallo (Doutor em Teoria Econômica pela FEA-USP e Professor da Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI) para coordenar a estruturação da plataforma do tratamento de superedividamento que será elaborada pela equipe de desenvolvedores da UNIFEI em projeto apresentado pela FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
Veja o vídeo abaixo sobre as vantagens da plataforma proposta pela FIPE, e como esta ferramenta será fundamental para modernizar e informatizar os órgãos públicos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, em especial os Procons, possibilitando, de maneira inédita e efetiva, a realização do tratamento do consumidor superendividado.